A relação entre os transtornos do humor e o uso de substâncias é descrita há mais de dois mil anos, e hoje é reconhecida como uma das associações mais frequentemente encontradas entre portadores de depressão e de transtorno bipolar (TB). De acordo com resultados de diversos estudos, entre portadores de TB, cerca de 15% a 20% apresentam o diagnóstico de abuso de álcool, cerca de 21% a 40,5% o de dependência do álcool, e cerca de 18% e 28% preenchem também critérios para o diagnóstico de dependência de alguma outra substância psicoativa.
Uma questão que sempre se levanta, quando encontramos essa associação, é a da “causa ou efeito”. O abuso de substâncias poderia desencadear os sintomas do TB em indivíduos vulneráveis, ou os sintomas do TB facilitariam o abuso de substâncias? Para responder a essa questão, é importante observarmos a relação entre o início dos sintomas do TB e o início do uso de álcool e de substâncias, e precisamos: (1) determinar se os sintomas do TB começaram antes do início do uso de álcool e substâncias, (2) verificar se os sintomas do TB persistiram por período significativo de tempo após a intoxicação ou a abstinência de álcool ou substâncias, (3) julgar se os sintomas são excessivos em relação ao esperado para a quantidade consumida de álcool e substâncias e para a duração do uso. Mesmo que seja difícil afirmar qual dos transtornos precedeu ao outro sabemos que, em indivíduos com vulnerabilidade ao TB, o abuso de álcool e substâncias pode precipitar o desencadeamento de episódios de hipomania, mania, depressão, ou “mistos” (com sintomas do polo oposto).
A comorbidade com os transtornos relacionados ao uso de álcool e de outras substâncias influencia a manifestação, a evolução clínica, a resposta aos tratamentos e o prognóstico dos portadores de TB. O consumo de álcool e estimulantes (como a cocaína) pode aumentar nas fases depressivas, hipomaníacas, maníacas e mistas do TB. A hipótese do uso de substâncias como “automedicação” foi proposta já em séculos passados, e o uso de estimulantes poderia, também, ser buscado para acentuar ou prolongar os sintomas de hipomania ou de mania.
O abuso do álcool e substâncias associa-se à pior evolução do TB, e foi associado ao início mais precoce, ao número mais frequente e à maior duração dos episódios, à ocorrência mais frequente de “episódios mistos”, à ciclagem rápida, à maior frequencia de internações e à maior prevalência de comorbidade com transtornos de ansiedade. A comorbidade como abuso ou dependência de álcool e substâncias também está associada à pior resposta aos tratamentos para a estabilização do TB e à persistência de sintomas maníacos e depressivos subsindrômicos (aqueles que não preenchem critérios para um episódio, mas que causam sofrimento e interferem com a qualidade de vida). Como consequência, o risco de suicídio entre portadores de TB que apresentam também abuso ou dependência de álcool e de substâncias é alto.
Fontes:
LARANJEIRA, R. R. ; ALVES, H. N. P. ; CIVIDANES, G. ; MACEDO-SOARES, M. B. ; ZALESKI, M. . Dependencia de álcool e substâncias e comorbidade com transtorno bipolar. In: José Alberto Del-Porto; Katia Oddone Del-Porto; Luiz Paulo Grinberg. (Org.). Transtorno bipolar: fenomenologia, clínica e terapêutica. São Paulo: Editora Atheneu, 2009, p. 179-198.
MACEDO-SOARES, M. B. ; MORENO, Doris Hupfeld . Comorbidades. In: Ricardo Alberto Moreno; Doris Hupfeld Moreno. (Org.). Da Psicose Maníaco-Depressiva ao Transtorno Bipolar. São Paulo: Segmento Farma, 2008, p. 191-230.
MORENO, Doris Hupfeld ; MACEDO-SOARES, M. B. ; RATZKE, Roberto . Diagnóstico Diferencial. In: Ricardo Alberto Moreno; Doris Hupfeld Moreno. (Org.). Da Psicose Maníaco-Depressiva ao Espectro Bipolar. São Paulo: Segmento Farma, 2008, p. 231-256.
GOODWIN F. K. ;JAMISON K.R. Manic-Depressive Illness: Bipolar Disorders and Recurrent Depression. Second edition. New York, Oxford University Press, 2007, 1262 pp.
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