É comum em casais que estão fazendo tratamentos de fertilização uma grande tristeza em determinadas etapas no processo. Como perceber quando essa tristeza passou dos limites e transformou-se numa depressão?
No início dos tratamentos de fertilização, tanto a mulher como o homem estão muito otimistas em relação aos resultados, acreditando no sucesso dessa nova iniciativa. Após a primeira tentativa, naturalmente aumentam as expectativas. Quando o primeiro ciclo não é bem sucedido, a ansiedade, a frustração e a tristeza aumentam e, no decorrer do processo, diante de novas tentativas mal sucedidas, estes sentimentos se intensificam. Em geral, as mulheres sentem mais intensamente essas emoções, afinal, o processo se passa em seus corpos! Quando a intensidade desses sentimentos causa um sofrimento muito grande, passa a comprometer outras esferas da vida como a capacidade de trabalhar, de sentir prazer, de manter o interesse por diversas atividades, e comprometer a qualidade de vida como um todo, podemos estar diante do início de uma depressão, que deve ser acompanhada por profissionais da área de saúde mental.
Muitas vezes o casal antes de saber de sua impossibilidade de gerar filhos já fez inúmeros planos para a chegada do mesmo. A angústia então toma de conta da situação. Como perceber que essa angústia virou patológica?
Ter um filho é sempre um importante projeto de vida para o casal. Naturalmente, esse projeto gera expectativas, idealizações, sonhos, planos. À medida que o casal começa a enfrentar dificuldades para engravidar, a frustração e a ansiedade aumentam, procuram-se as causas, parte-se para a investigação médica e, muitas vezes, aquele que se sente mais responsável pela dificuldade em engravidar pode se sentir mais ansioso, mais triste, mais angustiado. Quando a angústia passa a dominar a maior parte, ou todo o universo emocional da mulher ou do homem, interfere na relação conjugal e nas demais relações interpessoais, levando a dificuldades no rendimento profissional e causando um grande sofrimento, podemos considerar que se tornou patológica.
Como perceber a diferença entre o desejo e a obsessão?
O desejo motiva, impulsiona, nos alimenta a seguir em frente e alcançar os objetivos que idealizamos. O desejo pode causar ansiedade, mas uma ansiedade que “empurra para frente”. Já a obsessão “puxa para trás”, nos aprisiona. Prende pelas correntes dos pensamentos repetitivos, aos quais muitas vezes damos o nome de “ruminações”. Se nos obcecamos por algum fim, muitas vezes não “saímos do lugar”, e nos deprimimos por julgar que fracassamos. As outras esferas da vida podem ser deixadas de lado por conta dessa obsessão, que pode ocupar todo o nosso universo vivencial.
E quando um dos dois que formam o casal quer mais que o outro? Um não está tão disposto ao desgaste do tratamento? Como agir?
É importante conversar abertamente sobre o assunto. Cada um deve expor seus sentimentos, dúvidas, inseguranças, expectativas, e estar disposto a ouvir o outro, estabelecendo um diálogo franco e honesto, sem acusações ou ressentimentos. O casal deve procurar identificar o que gera essa diferença de postura e procurar entender os sentimentos e os limites de cada um. Com o diálogo, essas questões podem ser mais bem compreendidas e o casal pode chegar a um consenso.
Como saber que é a hora de buscar uma ajuda psicológica?
Quando o sofrimento é muito grande e interfere na vida como um todo, quando se identificam sinais de depressão e de ansiedade, quando as conversas entre o casal ficam mais difíceis e surgem os conflitos, que podem levar a um afastamento entre ambos e a dificuldades na vida sexual, é o momento de buscar ajuda.
Como se dá o tratamento? Medicação? Terapia individual? Terapia de casal? E quando o casal não tem condições de investir em terapia?
Quando algum (ou os dois) integrante do casal apresenta sintomas de depressão, ou de um transtorno de ansiedade, a avaliação por um psiquiatra pode esclarecer se a medicação está indicada no caso. A psicoterapia individual e a terapia de casal tem papel importante nesse momento, e devem ser sempre consideradas pelo casal. As clínicas de fertilização frequentemente dispõem também de profissionais que acompanham os casais ao longo do tratamento. A família e amigos próximos, em especial aqueles que já passaram por situações semelhantes, podem ajudar a fortalecer a rede de apoio da qual o casal necessita.
Como a psicoterapia pode ajudar esses casais?
A psicoterapia individual e a terapia de casal ajudam na compreensão do problema, na identificação das suas causas, no fortalecimento pessoal e no desenvolvimento de estratégias de resolução de conflitos, permitindo o melhor enfrentamento da situação. Na terapia de casal, um profissional capacitado pode auxiliar o casal a discutir o assunto, identificar as diferenças existentes entre ambos em relação ao desejo de engravidar e de continuar com o processo da fertilização, a lidar com as expectativas e frustrações, elaborar a culpa que pode surgir naquele que se sente mais responsável pela dificuldade em engravidar, e enfrentar de forma positiva essas dificuldades.
É grande o índice de pessoas que se tornam mais agressivas ou com tendências suicidas no decorrer desse processo?
O risco de suicídio e a agressividade não se relacionam ao processo de fertilização em si. Estão relacionados a outras questões que podem se manifestar ao longo do processo. Se algum dos membros do casal está profundamente deprimido, se sentindo incapaz, culpado, com a autoestima baixa, sem ver esperanças ou sentido em outras coisas na vida, os pensamentos de suicídio podem aparecer, mas em consequência à depressão que se instalou, e não à fertilização. Assim como a agressividade: a irritabilidade, o “pavio-curto”, a frustração, o inconformismo, a raiva, o “por que comigo” podem ser associados a quadros de depressão ou mesmo a dificuldades pessoais na forma de enfrentar situações adversas, não são consequências diretas do processo de fertilização.
Qual a melhor maneira de ajudar casais que estão passando por esse processo?
É muito importante oferecer apoio emocional, amparar e ajudar o casal a lidar com as expectativas e frustrações. Ajuda-los a ver que, ainda que o projeto de ter um filho seja importante, eles devem considerar o quanto estão dispostos a persistir no processo, e qual o impacto emocional que isso causa a ambos. Muitos casais, após uma serie de tentativas malsucedidas, optam pela adoção e se sentem realizados! Os familiares e amigos próximos devem estar atentos aos sinais iniciais de uma depressão ou de um distúrbio de ansiedade e, nesses casos, estimular a procura a um profissional da área de saúde mental.
É comum que existam causas psicológicas que possam dificultar a concepção? Se sim, como isso acontece?
Ouvimos muito falar que o stress, a ansiedade e a depressão durante o processo de fertilização estariam relacionados a uma chance menor de engravidar. Porém, uma revisão recente de pesquisadores britânicos publicada em uma conceituada revista médica (British Medical Journal), relatou que o stress e outros fatores psicológicos não tiveram relação com o sucesso ou o insucesso do processo de fertilização. Ainda que o stress não afete diretamente as chances da fertilização, os autores desse estudo também recomendam o apoio psicológico ao casal durante todo o processo.
Qual o conselho a senhora daria para esses casais que estão passando por esse momento tão difícil?
Ao iniciar o processo de fertilização, o casal deve estar unido e ciente de que nem sempre a primeira tentativa é feita com sucesso. É um processo que gera ansiedade, frustrações, questionamentos. Não há culpados quando o casal tem dificuldade para engravidar. Ainda que o desejo de ter um filho seja grande, ele não deve se tornar o único objetivo. É importante manter o diálogo e a abertura, reconhecer quando é o momento de procurar ajuda, individualmente ou para o casal, compartilhar as dificuldades com familiares e amigos mais próximos e recorrer ao apoio de um profissional de saúde mental sempre que necessário.
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